Revisão contratual à luz do Código de Defesa do Consumidor (cdc) e do Código Civil (cc)

Nota Explicativa
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O advento do Covid-19 produz em toda a sociedade momentos de grande atribulação, incertezas, insegurança, desnorteio etc. E o pior é que, infelizmente, não se sabe ao certo até quando teremos que conviver com esta situação, que ocasiona inexoráveis reflexos nas diversas atividades e/ou ambientes da atuação humana.

Importa para a presente análise abordagem no âmbito das relações jurídico-obrigacionais, especificamente aquelas que tratam dos contratos, e se sujeitam ou não à revisão e/ou resolução em decorrência da pandemia do coronavirus, ou seja, o Covid-19 se identifica como o fato novo, extraordinário, superveniente.

Neste contexto, importante saber se uma relação jurídica se enquadra como submetida ao CDC ou ao CC/2002, já que a teoria da imprevisão, positivada no CC/2002, não se aplica aos contratos regidos pelo CDC.

Assim sendo, abordaremos a seguir as nuances pertinentes a cada um dos institutos em comento.

EXAME DE CONTRATOS NO CDC

O CDC prevê o seguinte.:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(. . .) V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

Ou seja, para que incida a regra em destaque é necessário que (i) haja a existência de cláusula que estabeleça obrigação desproporcional e (ii) a ocorrência de onerosidade excessiva ao consumidor em razão de fato superveniente. O CDC não exige fato extraordinário ou imprevisão. O que importa mesmo é a superveniência de fato que ocasione desequilíbrio na relação.

O CDC adota a chamada teoria da base objetiva, a qual questiona se o espírito do contrato (essência da vontade das partes) foi afetado pelo fato superveniente (coronavirus), ou seja, se as regras que nortearam a contratação suportaram alterações em razão do fato extraordinário

Nesta linha de raciocínio, por exemplo, o desemprego do contratante ocasionado em razão das consequências do fato superveniente sobre a economia em nada diz respeito às regras contratadas pelas partes. As mudanças ou alternâncias de caráter pessoal não autorizam a revisão e modificação dos contratos e não podem ser oponíveis ao credor (parte
contrária).

O desemprego, que ocasiona a inadimplência, é uma circunstância subjetiva, afeta exclusivamente ao contratante (consumidor), o qual não repercute no contrato, não interferindo na sua base objetiva.

Enfim, mudança econômica do consumidor não é considerada fato superveniente com poder de gerar um desequilíbrio na relação entre prestação e contraprestação das partes envolvidas.

O fato novo – se existir, e não é o caso da Covid-19 – justifica a revisão judicial da cláusula que onerou o consumidor e o colocou em desvantagem, jamais autorizando a resolução do contrato, salvo se impossível a revisão.

Exemplificando: Tomemos como exemplo o contrato de plano de saúde. Na base do contrato as partes estipularam regras para a contratação(apartamento ou enfermaria, carências, coparticipação, rede hospitalar, etc., mensalidade, dependentes, perfil, etc.). Haverá a incidência da regra prevista no CDC se, e somente se, o fato extraordinário ferir as regras que foram pactuadas por ocasião da celebração do contrato.

Ainda, o CDC não consagra a teoria da imprevisão (CC/2002), mas a teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico.

EXAME DE CONTRATOS NO CC

Dispõe o Código Civil:

Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

(. . .) III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

A previsão legal do CC/2002 exige para sua aplicação que (i) os contratos sejam de execução continuada ou diferida, (ii) que tenha ocorrido a quebra da equação econômica da avença e (iii) que o acontecimento possua natureza de extraordinariedade e de imprevisibilidade.

A teoria da imprevisão autoriza a resolução do contrato ou a revisão judicial de determinada cláusula, a qual sobrecarrega excessivamente uma das partes. A resolução não decorre da vontade das partes envolvidas, mas sim de fatos imprevisíveis e extraordinários que afetam o equilíbrio contratual, gerando a onerosidade excessiva.

Como ocorre no CDC, não é qualquer alteração na avença que enseja a sua revisão e/ou resolução. Assim, inflação, variação cambial etc não constituem eventos imprevisíveis a ponto de legitimar uma revisão contratual. No entanto, a pandemia do coronavirus certamente irá respaldar possível arguição ou invocação da teoria da imprevisão.

Exemplo: contratos de aluguéis comerciais. Por determinação legal, a fim de possibilitar melhor enfrentamento da pandemia, lojas em shopping centers e em outras localidades não podem abrir. Com isto, o contratante está impossibilitado de exercer o comércio, logo, como irá cumprir com sua obrigação (aluguel)?

Para aplicação do dispositivo do artigo 478 do CC há que se ter em conta a posição inicial das partes e compará-la a situação de momento em que a resolução e/ou revisão é pleiteada, ou seja, a revisão tem lugar sempre que as circunstâncias do tempo da contratação não forem as mesmas do momento da execução da obrigação contratada.

Por fim, importante esclarecer que o desafio inicial sobre a aplicação da teoria da imprevisão é saber se ao contrato firmado entre as partes, aplica-se as regras do Código de Defesa do Consumidor(CDC) ou do Código Civil(CC).